sábado, 17 de setembro de 2022

Vita Christi – XV Domingo depois de Pentecostes – Ludolfo da Saxônia, O.Cart.

 

No dia seguinte, Jesus foi com seus discípulos e uma grande multidão que o seguia, arrebatada por suas maravilhas, pelo encanto de sua doutrina e pelo odor de sua santidade, a uma cidade da Galileia chamada Naim. Naim está situada a duas milhas do Monte Tabor e dominada pelos montes de Endor, ao pé do qual corre o rio Quisom. Diante da porta desta cidade onde havia grande afluxo de pessoas, Jesus viu-se frente a frente com um numeroso cortejo fúnebre; o único filho de uma viúva foi enterrado (anteriormente, os locais destinados aos sepultamentos ficavam afastados das cidades, e longe das moradias, para evitar a infecção resultante da putrefação dos cadáveres). O milagre que Jesus Cristo ia operar seria ainda mais impressionante, pois as testemunhas eram mais numerosas. Como estes homens cumpriram um dever de piedade, ao assistir a este funeral e consolar uma viúva que acabava de perder o seu único filho, eles mereciam ver este milagre, porque Deus, o consolador dos que choram, considera especialmente as lágrimas dos que choram as misérias e pecados dos outros. São Gregório de Nissa explica em poucas palavras o grande infortúnio desta mulher:

“Ela era uma mãe viúva e que não podia mais esperar ter outros filhos, não havia mais ninguém em sua casa para onde ela pudesse transferir os afetos, nos quais ela poderia buscar apoio; pois ela estava enterrando seu único filho, o único que ela nutriu, a única alegria de sua existência, seu único bem e todo o seu consolo aqui embaixo”.

Diz São Cirilo:

“Uma dor profunda sempre provoca piedade e faz derramar lágrimas. Então o Senhor vendo esta mulher tão triste e tão aflita, teve compaixão dela, e falou-lhe estas palavras cheias de doçura e consolação: ‘Não chores’, como se dissesse: ‘Vais ser consolada, pare de chorar pelo morto, aquele que verás ressuscitar’”.

Diz São Beda

“Jesus foi tocado de compaixão para nos ensinar a imitar sua misericórdia”.

Diz São Crisóstomo:

“Ordenando-lhe que enxugue as lágrimas, Aquele que consola os aflitos ensina-nos a consolar uns aos outros pela morte daqueles que nos são queridos, porque esperamos a ressurreição geral. Pagãos e idólatras estão certos em chorar seus mortos; eles não conhecem esta verdade; mas os cristãos acreditam nela e não têm motivos para ficarem tristes”.

Aproximando-se então, tocou o esquife, para devolver a vida ao jovem defunto pelo toque de suas mãos divinas, e para nos mostrar que seu corpo unido à divindade era instrumento desta última na operação de milagres. Loculus é um diminutivo e significa o caixão no qual os mortos jazem antes de serem enterrados. Ah! Que lição! Muitas vezes, quando vivemos, os palácios suntuosos, as residências grandiosas não nos bastam, e mortos estamos trancados em um espaço estreito. Isso nos lembra as belas palavras de um filósofo, diante do caixão de Alexandre Magno: “Veja! Ontem os limites do mundo eram muito estreitos para contê-lo e hoje está encerrado em um caixão miserável!”.

Aqueles que o carregavam pararam e não ousaram ir mais longe. Então Jesus disse: “Moço, levanta-te” e Ele o ressuscitou, em nome do seu poder divino. Ao mesmo tempo, aquele que estava morto levantou-se e começou a falar, para provar que não era objeto de uma ressurreição aparente, mas real; suas palavras provavelmente foram ações de graças, e Jesus o entregou à sua mãe, que merecia sua ressurreição, e aquele que causou sua tristeza foi seu consolo.

Todo o povo estupefato foi tomado de medo diante de tão grande milagre; não se trata aqui do medo de um mal que se aproxima, mas de um temor respeitoso pelo poder e pela bondade divinos. E eles glorificaram, isto é, louvaram a Deus e o proclamaram grande; pois quanto mais profunda a queda, mais merece o reconhecimento da compaixão daquele que nos levanta, e mais fundada é a esperança de salvação para aqueles que fazem penitência. E eles disseram: Um grande profeta, prometido pela Lei e pelas Profecias, surgiu entre nós; e o Senhor visitou seu povo; enviando-lhe um Salvador, para redimi-lo de seus pecados, como o médico visita o doente para curá-lo.

No sentido místico, este defunto é o homem que morreu sob os golpes do pecado mortal, esta mãe é a Igreja, que abraça todos os crentes e da qual são filhos todos os que lhe são fiéis. O pecador é chamado de filho único de sua mãe, da Igreja, porque ela chora sobre cada um de seus filhos quando ele cai em pecado, como uma mãe que chora pelo seu filho único quando este morre. A Igreja é uma viúva, porque seu marido está morto, e enquanto ela estiver exilada nesta terra, ela está privada das carícias do Senhor. É dela que o salmista diz: “Abençoarei copiosamente sua viúva”. O morto enterrado é o nosso interior.

Os quatro que carregavam o defunto são os quatro afetos do nosso coração: alegria, tristeza, esperança e medo. Esses quatro afetos nos dão a morte pelos abusos que fazemos deles. Assim diz São Bernardo:

“Amamos o que não convém amar, tememos o que não devemos temer, entregamo-nos a uma dor vã e a uma alegria ainda mais vã”.

Ou seja, a afeição pelo pecado, a fuga da penitência, esperança de se redimir, presunção da misericórdia de Deus. Eles também podem representar as quatro coisas que mantêm nossa alma no pecado: a esperança de uma vida longa, e aqui o homem é frequentemente enganado; a visão das faltas dos outros, que impede o homem de se corrigir; a esperança insana de poder fazer penitência depois e obter seu perdão em nome da grande misericórdia de Deus; a impunidade do pecador, que aumenta sua inclinação ao pecado. Esses que carregavam o morto podem ainda representar as concupiscências carnais; as lisonjas dos bajuladores e dos que nos desejam todo tipo de felicidade; as palavras dos prelados mercenários que, longe de ser uma lição para os culpados, são um paliativo para suas faltas; enfim, todos aqueles que, de atos ou de palavras, mantêm o homem no pecado. A porta pela qual passamos para levar os mortos à terra é um dos nossos sentidos que manifesta o pecado consentido pela nossa alma. Pois quem vê, ouve ou fala o que não é lícito, é levado como morto pela porta do ouvido, da vista ou da boca; é o mesmo com os outros sentidos do corpo; então temos que colocar guardas em cada um desses portões. Diz São Beda:

“O portão da cidade através do qual os mortos eram carregados, representa, na minha opinião, um dos sentidos do nosso corpo. De fato, aquele que semeia discórdia entre seus irmãos, que fala em voz alta a linguagem da iniqüidade, é como que morto pela porta de sua boca. Aquele que olha para uma mulher para cobiçá-la, manifesta as evidências de sua morte, pela porta de seus olhos. Aquele que ouve de bom grado conversas fúteis, canções obscenas ou calúnias, faz desse sentido a porta pela qual sua alma morta é transportada. E assim com todos os outros sentidos. O caixão é a consciência do pecador, que nela repousa como numa cama”.

O morto espiritualmente, Deus o ressuscita através das orações da Igreja. E aqui temos a figura deste modo de ressurreição. De fato, há três personagens da morte espiritual e também três personagens da ressurreição espiritual. As características da morte espiritual se assemelham às da morte corporal. Agora, a morte corporal tem um caráter tríplice. A primeira é a falta de ação; a inércia para fazer o bem é também um caráter da morte espiritual. É o pensamento do Êxodo, “que eles se tornam inertes como pedras”. A segunda é a insensibilidade; da mesma forma, quando o homem não sente os golpes e advertências espirituais, está espiritualmente morto. É o pensamento de Provérbios: “Espancaram-me, mas a mim não me doeu: Arrastaram-me, mas eu não senti”. A terceira é a rigidez; assim, quando o homem tem o coração tão inflexível que não pode encontrar nele compaixão pelo próximo, nem dobrá-lo sob a obediência de Deus, ele está morto; temos deste caso uma figura em Jeroboão, cuja mão secou ao querer estender-se sobre o altar. Estas são as três características da morte espiritual; aqui estão os da ressurreição: O jovem defunto senta-se; ele começa a falar; e Jesus o devolve à sua mãe. Ele se senta, o que representa a contrição, porque por meio dela o pecador se senta para lavar o pecado. Ele começa a falar; que representa a confissão, na qual o homem fala para acusar suas faltas. Ele o devolveu à mãe; que representa satisfação, para o homem, pela absolvição e penitência que lhe são impostas, é restituída à sua mãe, à Igreja e à comunhão dos fiéis. A satisfação é alcançada através da oração, jejum e esmola. Este modo de ressurreição nos é insinuado por estas palavras: “aproximou-se e tocou o esquife”. Jesus Cristo vai ao morto espiritual e se aproxima dele quando coloca em sua alma a graça preveniente ou o desejo de sua própria salvação. Ele toca o caixão quando amolece a consciência e o coração do pecador, leva-o a humilhar-se, e assim o eleva do pecado à graça. O Espírito Santo quis designar o pecado pela morte para nos mostrar que devemos fugir dele com diligência e qual deve ser nossa dor se o cometemos. Devemos fugir do pecado como a morte, devemos, quando o cometemos, derramar lágrimas como pela morte de um amigo. A morte do nosso jovem representa a do pecador; sua ressurreição também representa sua conversão; devemos, portanto, desejar ardentemente esta conversão e entregar-nos à alegria quando ela tiver ocorrido.

Ó pecador, rogai, pois, ao Senhor que vos levante da morte do pecado, que vos devolva à sua santa Igreja e, assim, produza a glória do seu nome. Como diz Santo Ambrósio:

“E se o teu pecado é grande demais para que possas lavá-lo nas lágrimas de sua penitência, terás as lágrimas de sua santa Mãe a Igreja, que intercede por cada pecador, como aquela mãe viúva por seu único filho; ela é tocada de grande compaixão espiritual ao ver seus filhos, que os pecados mortais colocaram nas garras da morte, pois não somos todos os frutos de seu ventre?”

Diz Santo Agostinho:

“A ressurreição de seu jovem filho alegra a mãe viúva; a ressurreição dos homens no espírito alegra a cada dia nossa mãe a Igreja”.

No sentido moral, Jesus Cristo ressuscita três mortos: uma jovem que estava em sua casa; esta ressurreição é a figura do homem que, tendo morrido pelo consentimento à deleitação do mal no pensamento ou na vontade, encontra-se paralisado e não revela sua alma pelas boas obras. Um jovem na porta da cidade de Naim; representa alguém que morreu pelo ato do pecado em palavra ou ação. Jesus ressuscita Lázaro, já descido ao sepulcro; aqui está a figura do homem esmagado sob o peso do hábito do pecado, e que contamina os outros pelo mau exemplo. Agora, o Senhor levanta e cura todos esses mortos espirituais, quando eles verdadeiramente retornam a Ele através da penitência; e sua ressurreição pela graça é mais fácil e imediata quando eles morreram por pouco tempo sob os golpes do pecado. Assim, o Salvador ressuscita a jovem facilmente e diante de poucas testemunhas; contenta-se em dizer à falecida: “Levante-te”. Quanto ao filho da viúva, ele o ressuscita diante da multidão, com mais dificuldade, tocando o caixão e dizendo – “Moço, eu te ordeno, levante-se”. E quando se trata de Lázaro, a dificuldade aumenta ainda mais: Jesus chora, estremece em si mesmo, fica perturbado, e depois clama em alta voz: “Lázaro, sai do teu túmulo”; Ele invoca de certa forma a ajuda e o testemunho dos assistentes com estas palavras: “Desamarre-o e deixe-o ir”. Certamente, a ressurreição de Lázaro foi tão fácil para Jesus Cristo quanto a da jovem, pois, diz Santo Agostinho:

“O Senhor pode ressuscitar um morto em seu sepulcro, assim como despertamos nossos semelhantes em sua cama; mas a conduta de Jesus aqui foi inteiramente figurativa. De fato, o pecador, há muito enterrado no pecado, é ressuscitado com muito mais dor; Jesus é forçado a chorar e clamar à sua alma. Por isso devemos, é verdade, fugir de todo pecado, mas principalmente do hábito do pecado, porque é mais difícil desarraigar”.

Diz Santo Ambrósio:

“O hábito diminui em nós a ideia da enormidade do pecado; torna-se indiferente aos olhos do homem. Da mesma forma, por uma razão semelhante, o hábito da virtude torna-a mais agradável e mais fácil para nós”.

Nas três mortes de que acabamos de falar, temos, portanto, a figura da tríplice morte da alma pelo pecado; mas sua ressurreição nos prova que o Senhor tem poder sobre a tríplice morte da natureza, do pecado e da geena, e pode trazer de volta à vida natureza, graça e glória. Ele não quis ir ao quarto do falecido, de quem seu discípulo lhe falou. Isso retrata para nós o pecador que morreu em obstinação ou desespero ou dando desculpas malignas para seu pecado. A ele aplique estas palavras: “Deixe os mortos enterrarem seus mortos”.

Ah! Que aqueles, portanto, que ouvem essas verdades, se não estiverem em pecado, tomem cuidado para não presumir sua força e tomem todas as precauções para não cair; e os que caíram não se desesperem, mas anseie pela ressurreição. Diz Santo Agostinho:

“Assim, meus queridos irmãos, vós que tendei a vida da graça, procurai aperfeiçoar-vos; e vós que estais mortos no pecado, esforçai-vos para ressuscitar. Se o pecado está apenas em vosso coração, sem ter se traduzido em atos, façai penitência, corrijai seu pensamento, ressuscitai no santuário de vossa consciência. E se ele se manifestou por obras externas, também não há necessidade de desesperar-vos; o pecador pode fazer penitência e ressuscitar, porque não desceu às profundezas da morte e do sepulcro pelo hábito do pecado. Mas dirijo-me aqui especialmente àquele que jaz sob a pesada pedra do longo hábito do pecado, a este Lázaro, enterrado há quatro dias, e que cheira mal. Que ele não se desespere; pois Jesus Cristo é todo-poderoso e perdoará pela penitência”.

Diz São Crisóstomo:

“Ah! Nós que estamos no bem, não presumimos nossa força; mas digamos a nós mesmos: ‘quem se julga firme, cuide para não cair’; porém, após a queda, nenhum desespero; clamamos: Como pode aquele que caiu não ressuscitar com a graça de Deus? De fato, quantos cristãos, tendo chegado quase às alturas do céu, realizando maravilhas, por uma simples queda caíram no abismo do crime? Que outros, ao contrário, subiram ao céu das profundezas do pecado e mereceram desfrutar do poder de expulsar demônios e fazer muitas outras maravilhas. A Escritura está cheia dessas vidas que devem servir de modelo para nós. Assim como um médico indica nos livros as doenças mais difíceis de curar e transmite a ciência ou o método de cura, de modo que os discípulos da medicina, treinados em grandes operações, triunfam facilmente sobre as mais fáceis; da mesma forma, Deus nos dá a conhecer os grandes pecados, para que aqueles que têm apenas pequenas faltas em sua consciência possam aprender e corrigir-se corajosamente. Se os grandes crimes encontraram a sua cura, tanto mais têm as pequenas faltas. Portanto, entreguemo-nos a atos de virtude e, se algum dia formos culpados de um grande pecado, apaguemo-lo, para nos tornarmos dignos da glória do céu, onde viveremos depois desta vida, à vista e prazer do nosso Criador”.

Ah! considera aqui a viúva de quem acabamos de falar, chorando a morte de seu filho, e entristeças e chore pela morte de tua alma, para merecer sair desta morte pela misericórdia divina. Abstenha-se do riso e da alegria barulhenta, porque prestarás contas de todas as suas ações no dia do julgamento. Diz São Crisóstomo:

“Nada nos une a Deus como as lágrimas que a dor do pecado e o amor da virtude nos fazem derramar sobre nossas próprias faltas ou as dos outros. Por que entregarias ao riso imoderado, tu que foste a causa voluntária de tanta tristeza, tu que irás comparecer perante o terrível tribunal de Jesus Cristo, para render ali, após o mais severo exame, contas de todas as suas ações?”

Há um perigo muito grande em permanecer nas manchas do pecado e na morte da alma: não ser curado pela penitência para ressuscitar. Porque, se falasses todas as línguas do mundo e a dos anjos, se tivesses convertido, por tua doutrina, tantos homens quantos existiram até hoje, ou como há estrelas no firmamento, se não purificares pela penitência, és como um bronze que ressoa ou um címbalo que retine. Ainda que fosses o homem mais instruído e, em nome de tua ciência, tivesses conseguido, por teu sábio conselho, manter a paz entre todos os reis e príncipes deste mundo, se não se corrigisses, tudo isso de nada te serviria. Ainda que tivesses uma grande fé – o suficiente para atrair à religião todos os judeus, hereges e pagãos – e se estiveres em pecado mortal, isso de nada te servirá para a vida eterna. Ainda que tivesses fundado mil claustros, construído mil casas para o alívio das misérias humanas, alimentado com todos os teus bens todos os pobres do mundo, se permaneceres em pecado mortal, não estás no número daqueles que serão salvos. Ainda que tivesses deixado queimar em uma grelha, como São Lourenço, esfolado vivo, como São Bartolomeu, crucificado, como Jesus Cristo, se morreres manchado com um único pecado mortal, nunca serás salvo. Ainda que milhares de missas fossem rezadas por ti; se todos os santos no céu, com os anjos, se prostrassem diante de Deus, derramassem lágrimas de sangue e orassem por ti até o último dos dias, eles não poderiam dobrar a misericórdia divina em teu favor, se morresses no pecado mortal. Assim, para o pecador que morreu a morte da alma, uma boa confissão seria mais útil do que todos os bens que acabamos de ilustrar.