domingo, 28 de maio de 2023

Vita Christi – Do Pentecostes – Ludolfo da Saxônia, O.Cart.

 


No dia de Pentecostes, que é o quinquagésimo dia após a Ressurreição e o décimo após a Ascensão do Salvador, Jesus Cristo recordou ao Pai a promessa que tinha feito aos seus discípulos de lhes enviar o Espírito Santo. Deus consentiu prontamente no desejo do seu divino Filho e os dois juntos enviaram o Espírito Santo aos apóstolos para os encher das suas graças, para os consolar, para os fortalecer, para os instruir e para os encher de alegria. Entre os judeus, o Pentecostes era uma das três grandes festas cuja solenidade durava sete dias, e essas três grandes festas eram a Páscoa, o Pentecostes e a Festa dos Tabernáculos. Tinham passado os cinquenta dias da ressurreição do Salvador e começava a solenidade do Pentecostes. Os discípulos, que na altura eram cento e vinte, incluindo as santas mulheres, estavam no Monte Sião, reunidos no cenáculo onde Jesus Cristo tinha celebrado a sua última ceia. Ali, meditando e rezando, aguardavam o cumprimento das promessas do seu divino Mestre. De repente, à hora terceira, ouviu-se um grande ruído vindo do céu, ou melhor, do ar, como o som de um vento violento, e esse ruído encheu toda a casa onde os discípulos estavam sentados, ou melhor, o Espírito Santo encheu todos os que estavam reunidos no Cenáculo, de acordo com a ordem do seu Mestre, que lhes tinha dito: “Retirai-vos para a cidade até que sejais revestidos de poder do alto”. O Espírito Santo vem com grande ruído para inspirar o medo no coração dos culpados, mas vem como um sopro do interior, para verificar os bons afetos dos verdadeiros fiéis. Aprendei também que os dons do Espírito Santo só são derramados sobre aqueles que estão unidos uns aos outros pelos laços da caridade e cujos corações são animados pelo desejo dos bens celestes.

Viram então parar e pousar sobre a cabeça de cada um deles línguas de fogo, ou seja, raios de fogo em forma de línguas. Diz São Gregório:

“Não é sem razão que o Espírito Santo se manifesta sob a forma de fogo, uma vez que elimina a tibieza de todos os corações que habita e inflama-os com o desejo da sua eternidade”.

Diz Orígenes:

“O nosso Deus é um fogo que consome tudo o que há de mau em nós e, quando todo o mal está consumido, ilumina-nos”.

Diz São Jerônimo:

“O fogo tem uma dupla propriedade, ilumina e queima ao mesmo tempo; do mesmo modo, Deus ilumina os justos e queima, ou melhor, castiga os pecadores”.

Além disso, o fogo é o emblema exato dos diferentes dons do Espírito Santo. Como o fogo, o Espírito do Senhor purifica-nos de todos os nossos pecados pelo dom do Temor; suaviza os nossos corações pelo dom da Piedade; embeleza-os pelo dom da Ciência; fortalece-os pelo dom da Fortaleza; eleva-os pelo dom do Conselho; ilumina-os pelo dom do Entendimento; suaviza-os pelo dom da Sabedoria.

Os apóstolos começaram imediatamente a falar em várias línguas, conforme o Espírito Santo, de que estavam cheios, lhes punha na boca; esse Espírito que distribui os seus dons a quem quer, quando quer e como quer; esse Espírito que, pela sua luz divina, lhes ensinara subitamente todas as verdades, acendera nos seus corações o fogo sagrado da caridade para com Deus e para com o próximo, os confirmara em força e virtude e lhes comunicara o conhecimento de todas as línguas, segundo as palavras do livro da Sabedoria: “O Espírito do Senhor encheu toda a terra e aquilo em que todas as coisas estão contidas”, isto é, o próprio homem, que parece conter tudo, pois todas as outras criaturas foram feitas para ele. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo encheu toda a terra, dando aos apóstolos o dom das línguas, para que pudessem falar a língua de todos os povos. Mostrou-nos também que a Igreja, que até então não tinha ultrapassado os limites restritos da Judeia, se iria espalhar e desenvolver por todas as nações da terra, cuja língua os apóstolos falavam. A forma da língua de fogo com que o Espírito Santo se comunicou aos apóstolos mostra-nos também o que Ele devia produzir neles: pôr palavras nas suas bocas, iluminar as suas mentes, aquecer o amor nos seus corações e fortalecê-los contra todos os seus inimigos. Porque a língua fala e explica as palavras, e o fogo ilumina, aquece e fortalece. O Espírito Santo foi também dado aos apóstolos para o perdão dos pecados, quando, depois da sua ressurreição, Jesus Cristo soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo, e os pecados serão perdoados àqueles a quem os perdoardes, e serão retidos por aqueles a quem os retiverdes”.

O Espírito Santo, note-se, desceu duas vezes sobre Jesus Cristo e duas vezes também sobre os apóstolos. Sobre Jesus Cristo no seu batismo, sob a forma de uma pomba, e na sua transfiguração sob a forma de uma nuvem, porque a graça do Salvador, que só é dada aos homens pelo Espírito Santo, devia ser derramada sobre nós por meio dos sacramentos representados pela pomba, que é uma ave fecunda, e por meio da doutrina representada pela nuvem luminosa da qual saiu esta voz celeste: “Este é o meu Filho muito amado, em quem me comprazo”; escutai-o. O Espírito Santo também desceu duas vezes sobre os apóstolos, primeiro sob a forma de sopro, para significar a efusão da graça através dos sacramentos de que deviam ser ministros, daí as palavras do Salvador: “Os pecados que perdoardes ser-lhes-ão perdoados”; e depois sob a forma de uma língua de fogo para assinalar a efusão da graça através da doutrina, como é dito: “Os apóstolos, tendo recebido o Espírito Santo, começaram a falar várias línguas”. Diz São Gregório:

“Lemos no Evangelho que os apóstolos receberam duas vezes ostensivamente o Espírito Santo, primeiro quando o Salvador, ainda na terra, soprou sobre eles e disse: ‘Isto porque a caridade, que é derramada nos nossos corações pela graça do Espírito Santo, contém dois preceitos: o amor de Deus e o amor do próximo’. A caridade é uma só e contém dois preceitos; o Espírito Santo é um só e é-lhes dado duas vezes. E como o amor ao próximo nos leva ao amor a Deus, o Salvador dá o Espírito Santo aos seus apóstolos, a primeira vez enquanto está na terra, e a segunda vez envia-lo do céu”.

Notemos também que o Espírito Santo se comunica aos homens de duas maneiras: visivelmente, quando se manifesta por um sinal exterior, e invisivelmente. Ele manifestou-se ostensivamente em cinco ocasiões diferentes: sob a forma de pomba no batismo do Salvador; sob a forma de nuvem luminosa na sua transfiguração; sob a forma de sopro, quando, no dia da sua ressurreição, Jesus Cristo soprou sobre os seus apóstolos e lhes deu o Espírito Santo; depois sob a forma de fogo e de língua, como vemos no santo dia de Pentecostes. Ele comunica-se invisivelmente quando desce aos corações puros dos fiéis para os santificar, para os enriquecer com as suas graças e para habitar neles, o que leva o apóstolo São João a dizer: “O Espírito Santo sopra onde quer, ouvis a sua voz, mas não sabeis de onde vem nem para onde vai”. Diz São Crisóstomo:

“Quando sentimos no nosso coração o desejo do bem saibamos que o Espírito Santo habita em nós; mas ele está longe de nós quando sentimos o desejo de fazer o mal e de nos entregarmos ao pecado”.

Diz Santo Agostinho:

“Nos primeiros tempos do cristianismo o Espírito Santo descia sobre os fiéis, e eles falavam várias línguas sem as terem aprendido. Esses milagres eram então necessários, porque o Evangelho devia ser anunciado a todo o mundo, a todas as nações e em todas as línguas; agora que já não são úteis, todos esses milagres cessaram. Mas, dirás tu, se estes sinais exteriores e visíveis desapareceram hoje, como podemos reconhecer que o Espírito Santo está verdadeiramente em nós? Perguntai ao vosso coração; se encontrardes um amor sincero pelo vosso próximo, tende a certeza de que o Espírito Santo habita em vós; o amor pelos nossos irmãos não pode estar num coração sem que o Espírito de Deus também esteja, segundo o testemunho do próprio grande apóstolo que nos diz: ‘O amor de Deus está derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado’”.

Sem dúvida, nunca poderemos saber, de maneira evidente e certa, se o Espírito Santo habita verdadeiramente nesta ou naquela criatura, pois o Espírito do Senhor sopra onde quer, e não sabemos de onde vem nem para onde vai. No entanto, podemos, por certos sinais e efeitos, conjecturar que o Espírito Santo habita verdadeiramente numa alma, e isto de várias maneiras, de acordo com o tríplice estado dos principiantes, dos que estão progredindo e dos perfeitos. O Espírito de Deus, de fato, atua nos homens segundo o estado, a disposição e a capacidade de cada um. O Espírito Santo sopra ou inspira nos principiantes, habita ou permanece nos que progridem, e enche os perfeitos. Ou, segundo São Bernardo:

“Há três sinais particulares pelos quais podemos reconhecer se o Espírito Santo inspira verdadeiramente os principiantes. O primeiro é a dor pelos pecados cometidos, porque o Espírito de Deus abomina toda a impureza e não pode habitar num coração sujeito ao pecado. A segunda é a firme intenção de não voltar a pecar no futuro, que ninguém pode ter por si mesmo, a menos que seja ajudado e resgatado pela graça do Espírito Santo que sustenta a sua fraqueza. A terceira é a disposição para fazer o bem”.

Diz São Gregório:

“O amor de Deus, que é o próprio Espírito Santo, nunca está em repouso; onde quer que esteja, faz grandes coisas”.

Quanto aos que estão a progredir, há também três sinais pelos quais podemos reconhecer se o Espírito Santo habita verdadeiramente neles. O primeiro é o exame de consciência frequente e rigoroso, não só dos pecados mortais, mas também das faltas veniais, porque, assim como o Espírito Santo se opõe ao pecado mortal, assim também o ardor da caridade que dele provém abomina o pecado venial, de modo que nada na alma pode desagradar aos seus olhos. A segunda é a redução da concupiscência no coração; quanto mais a alma progride na caridade, tanto mais se afasta das coisas temporais e perecíveis. A terceira é a estrita observância dos preceitos do Senhor. Não seria um escárnio, no dizer de Santo Agostinho, dizer: “amo o imperador, mas odeio a sua lei?” Se, pois, amais a Deus, guardai os seus mandamentos. Quanto aos perfeitos, há três outros sinais que nos podem mostrar se estão verdadeiramente cheios do Espírito Santo. O primeiro é a manifestação da verdade divina. O Espírito Santo é essencialmente um espírito de verdade, e não pode habitar numa alma sem lhe comunicar os segredos da verdadeira doutrina. A segunda é temer somente a Deus neste mundo. A caridade perfeita lança fora o medo e, como o próprio grande apóstolo testemunhou, onde está o Espírito do Senhor, há também liberdade, e a liberdade não pode admitir o medo servil com ela. Ela não deseja senão uma coisa: separar-se das perturbações deste mundo e reunir-se àquele que é o único objeto do seu amor, porque o Espírito Santo, que nela opera, a eleva continuamente para os bens celestes. Feliz a alma que, a exemplo de São Paulo, deseja ardentemente ver rompidos os laços que ainda a prendem a este mundo e reunir-se ao seu esposo celeste; pode estar certa de que o Espírito Santo habita verdadeiramente nela.

Ora, havia em Jerusalém e em toda a Judeia um grande número de judeus, estrangeiros, religiosos que tinham vindo por ocasião da grande solenidade de Pentecostes. Quando ouviram o grande barulho que se tinha feito ouvir no Cenáculo e que repercutia por toda a cidade, dirigiram-se ao lugar onde os discípulos estavam reunidos, e todos ficaram espantados e maravilhados ao ouvi-los falar, cada um na sua própria língua. Outros, porém, insultavam-nos, dizendo que estavam bêbados. Então São Pedro e os outros apóstolos levantaram-se para mostrar que não era o efeito do vinho sobre eles, pois ainda eram nove horas da manhã e não tinham bebido nem comido, mas que estavam cheios do Espírito Santo, como o profeta Joel tinha predito. Jesus Cristo acabava de cumprir neles o que lhes tinha prometido antes da paixão, dizendo: “Se eu não for embora, o Paráclito não virá a vós; mas se eu for embora, eu vo-lo enviarei”. Aprendamos que, se quisermos saborear as alegrias espirituais, devemos renunciar a todos os prazeres da carne e dos sentidos; pois, como diz São Gregório, para encontrar as alegrias e os prazeres do espírito, devemos renunciar às satisfações e aos doces enganosos do corpo. Mas, infelizmente, quão poucas pessoas hoje, apesar do hábito que usam, se esforçam por renunciar aos prazeres dos sentidos para adquirir as verdadeiras e sólidas delícias do espírito!

Devemos notar aqui que várias coisas são necessárias, indispensáveis, para quem quer percorrer o caminho da perfeição, para avançar no amor de Deus e na vida espiritual. Em primeiro lugar, deve ter um conhecimento claro e perfeito dos seus defeitos e de todas as suas fraquezas. Em segundo lugar, deve lutar incessantemente e corajosamente contra as suas más inclinações e a sua vontade corrupta. Em terceiro lugar, ele deve estar cheio de medo diante da lembrança de seus pecados passados, porque ele nunca pode ter certeza de que ele expiou suficientemente por eles e obteve o perdão de Deus. Em quarto lugar, ele deve estar constantemente atento à sua própria fraqueza e temer cair novamente em seus antigos pecados e em outros ainda maiores. Em quinto lugar, mortificar a sua carne e os seus sentidos, submetendo o seu corpo ao espírito e à lei de Deus. Em sexto lugar, fugir com cuidado, como fugiria de um demônio do inferno, de toda a pessoa, de toda a criatura que o possa levar ao pecado ou mesmo a alguma imperfeição da vida espiritual. Em sétimo lugar, recordar os benefícios com que Deus o abençoou até agora, e com que continua a ser abençoado todos os dias, e agradecer-lhe continuamente. Oitavo, rezar noite e dia. Em nono e último lugar, levar sempre consigo a cruz do Salvador, essa santa cruz que nos ensina a mortificar os nossos vícios, a afastar-nos dos bens terrenos, a renunciar aos desejos carnais e a desprezarmo-nos a nós próprios.

Os apóstolos, ou seja, alguns homens simples e rudes, iluminados pela luz do Espírito Santo e fortalecidos pelo poder da sua graça, abalaram o mundo inteiro e colocaram-no, pelo menos em grande parte, sob a lei do Senhor. Com a virtude das suas palavras, com os seus exemplos e com o esplendor dos seus milagres, fundaram a Igreja de Cristo, a qual, purificada, iluminada e aperfeiçoada pelos dons e graças do Espírito Santo, se tornou a esposa predileta do Salvador e, ao mesmo tempo, mais formidável para Satanás e para os seus anjos do que um exército em batalha. Os apóstolos não se dispersaram imediatamente após o Pentecostes; durante doze anos, pregaram o Evangelho de Jesus Cristo em Jerusalém e em toda a Judeia. No fim desse tempo, espalharam-se por todo o mundo para anunciar a boa nova da salvação às nações. Deus, sem a ajuda de quem nada podemos fazer, acompanhava-os, agindo com eles e confirmando a sua palavra com os mais deslumbrantes prodígios. Como a nova doutrina que pregavam ultrapassava a razão humana, era necessário, para a tornar credível e fazer com que os homens a aceitassem, que fosse confirmada por milagres. Assim, segundo o pensamento de São Gregório e de São Teófilo, os pregadores dos nossos dias, seguindo o exemplo dos apóstolos, devem também esforçar-se, pela sua conduta e pelas suas boas obras, por fazer com que os fiéis aceitem a doutrina que ensinam. Os efeitos maravilhosos e os frutos abundantes de salvação que a pregação dos apóstolos produziu em todo o mundo devem ensinar-nos também com que alegria, com que ânsia e com que respeito devemos celebrar esta grande solenidade do Pentecostes. Diz São Gregório:

“Ó meus irmãos, depois da Encarnação do Filho de Deus, uma das maiores festas do cristianismo é, sem dúvida, aquela em que celebramos a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. Se a primeira é cara ao nosso coração, a segunda não o deve ser menos. Na Encarnação, o Filho do Senhor, sem deixar de ser Deus, torna-se homem por natureza; no Pentecostes, os próprios homens tornam-se deuses por adoção. Que grande dia é aquele em que um Deus, descido do céu, vem fazer a sua morada no coração dos homens! Quem quiser participar de tal favor, deve purificar-se cuidadosamente de todos os seus pecados e impurezas!”.

Jesus Cristo não enviou o Espírito Santo aos seus apóstolos imediatamente após a sua Ascensão, mas apenas dez dias depois. Em primeiro lugar, para que os apóstolos se pudessem preparar, através do jejum e da oração, para tão maravilhoso favor; em segundo lugar, para nos ensinar que quem quiser receber o Espírito Santo no seu coração deve observar fielmente os dez mandamentos de Deus. O Espírito Santo não desceu sobre os apóstolos senão cinquenta dias depois da ressurreição; assim como o povo judeu não recebeu a lei do temor senão cinquenta dias depois da sua libertação do cativeiro do Egito, assim também o povo cristão não recebeu a lei do amor senão cinquenta dias depois da sua libertação de todas as misérias desta vida. No ano do Jubileu, que só ocorria de cinquenta em cinquenta anos, os judeus recuperavam a liberdade que tinham perdido e tomavam posse dos bens de que tinham sido privados; do mesmo modo, no dia de Pentecostes, o povo cristão recuperava a liberdade de que tinha sido privado e a herança celeste que lhe tinha sido roubada. A festa de Pentecostes era muito solene para os judeus, porque lhes recordava aquele grande dia em que o Senhor tinha descido em chamas sobre o monte Sinai para lhes dar a sua lei; do mesmo modo, cinquenta dias depois da Páscoa, o Espírito Santo desceu sobre o monte Sião, desceu sobre os apóstolos sob a forma de línguas de fogo e gravou nos seus corações a nova lei, que é uma lei de graça e de amor. Assim, a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos foi representada pelo dom que Deus fez da sua lei ao seu povo através do ministério de Moisés, e esta festa de Pentecostes, que a Igreja cristã celebra com tanta pompa, era também celebrada, mas sob a forma de uma figura, pela sinagoga. Encontramos outra ilustração desta festa no milagre realizado pelo profeta Eliseu em favor da pobre viúva mencionada no terceiro livro dos Reis. Este profeta, compadecido ao ver a pobreza desta mulher, rezou fervorosamente a Deus e obteve a multiplicação do pouco azeite que lhe restava, para poder aliviar a sua miséria. Esta viúva é a imagem da Igreja, que também ficou viúva e desolada após a partida do seu divino Esposo que subiu ao céu. Deus, movido de compaixão, quis consolá-la e deu-lhe óleo em abundância, isto é, encheu-a de todos os dons e graças do Espírito Santo. No que diz respeito à compreensão das línguas, o próprio Deus quis dar-nos uma ilustração do que aconteceu quando da construção da Torre de Babel. Para castigar os homens insensatos que se queriam levantar contra Ele, confundiu a sua linguagem e transformou uma língua em muitas, de modo que não se podiam entender uns aos outros, mostrando-nos assim antecipadamente o que devia fazer no dia de Pentecostes; se, de fato, as línguas não se tivessem multiplicado naquele tempo, não teria podido dar a cada um dos apóstolos a compreensão de várias línguas. Com o primeiro milagre, Deus confundiu o orgulho daqueles que se rebelaram contra ele; com o segundo, confundiu os judeus rebeldes que, ao testemunharem este novo milagre, ficaram atônitos e envergonhados com o seu comportamento passado. Que este dia de Pentecostes seja para nós um dia de felicidade e de alegria; celebremos esta grande festa com transportes de júbilo, bendigamos o Senhor neste dia; na efusão da nossa gratidão, ofereçamos-lhe os nossos cânticos e os nossos corações; foi neste dia que fomos chamados à fé cristã, cuidemos de a conservar em nós e façamos todos os esforços para merecer participar nos frutos felizes da salvação que dela brotam em abundância.

 

Vita Christi – Da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo – Ludolfo da Saxônia, O.Cart.

 


A festa da Ascensão é uma das maiores solenidades do cristianismo; devemos, pois, celebrá-la com grande devoção, meditando atentamente em todas as circunstâncias daquele dia em que o nosso divino Salvador, separando-se dos seus queridos discípulos, subiu visivelmente ao céu, a fim de que, renunciando nós mesmos, por amor dele, a todo o afeto e a todo o desejo das coisas mundanas, mereçamos unir-nos, na pátria celeste, ao divino Esposo das nossas almas. No quadragésimo dia depois da sua ressurreição, Jesus Cristo quis subir ao Pai, para nos ensinar que aqueles que guardaram os preceitos da lei contidos nos quatro Evangelhos podem também chegar ao céu. Jesus, pois, vendo que se aproximava o momento em que devia deixar este mundo corporalmente e voltar para o seu Pai, depois de ter amado perfeitamente os seus, que o tinham seguido na sua vida pública, quis mostrar-lhes que os amava até ao fim. O dia da Ascensão tinha chegado; o Salvador levou consigo para o paraíso terrestre todas as almas dos patriarcas e dos santos do Antigo Testamento que tinha tirado do limbo, com exceção de Enoque e Elias, que, vivendo em corpo e alma, permaneceram no mesmo lugar até à ressurreição geral; foi ter com os seus apóstolos, que se encontravam no monte Sião, com a Santíssima Virgem sua mãe. Desde a ressurreição, os apóstolos e todos os discípulos, juntamente com as santas mulheres, vivem no monte Sião. Os onze apóstolos e a Virgem Santíssima ocupavam o cenáculo onde Jesus tinha celebrado a sua última ceia, enquanto os discípulos e as outras mulheres estavam espalhados por várias habitações, mas sempre no mesmo monte. Perto da hora terceira, enquanto os onze apóstolos estavam à mesa com a Santíssima Virgem e tomavam a sua refeição, Jesus veio, sentou-se e comeu com eles, como um bom Mestre que, antes de partir, quis dar-lhes um último sinal da sua ternura. Os apóstolos, de fato, nunca mais o veriam neste mundo e, por isso, antes de os deixar, quis comer com eles uma última vez, como costumam fazer os amigos que vão estar separados durante muito tempo.

Antes de se afastar deles, o Salvador censura-lhes a incredulidade e a dureza dos seus corações, a fim de reavivar a vivacidade da sua fé e o ardor do seu amor por Ele. De fato, muitos tinham-se recusado a acreditar na sua ressurreição, com base no testemunho de São Pedro, de Maria Madalena e dos dois discípulos de Emaús. Quando os enviou a pregar o seu Evangelho a todos os povos do mundo, não lhes parece que lhes disse: “Recusastes acreditar na minha ressurreição antes de me verdes, apesar das provas que vos foram dadas; pensais que aqueles a quem vós próprios a ides anunciar poderão acreditar nela mais facilmente? No entanto, eles depositarão a sua fé na vossa palavra; mais uma razão, portanto, para acreditardes sem terdes visto”. Jesus Cristo, com essas censuras, quis inspirar-lhes a estima da humildade e, falando-lhes assim, no momento mesmo em que ia deixá-los, suas palavras deviam ficar mais profundamente gravadas em seus corações.

Então Jesus disse-lhes: “Ide, não só para a Judeia, mas para todos os países do mundo, e pregai o meu Evangelho, cujo ensinamento é superior a todos os outros ensinamentos, tal como a cabeça é superior a todas as outras partes do corpo”. Diz o papa Inocêncio:

“O Evangelho é a palavra do Verbo incriado que estava em Deus desde o princípio de todas as coisas; é a expressão da Sabedoria eterna que dispõe de tudo com força e doçura”.

“Pregai o meu Evangelho e nada mais; pregai-o a toda a criatura, omni creaturae, isto é, a todos os homens sem distinção de pessoa; a todos os homens para os quais todas as outras criaturas foram feitas; aos homens que são o único objetivo de toda a criação”. Esta pregação do Evangelho pelos apóstolos só devia começar depois do Pentecostes, porque o Salvador tinha proibido expressamente os seus discípulos de deixarem Jerusalém antes de terem recebido o Espírito Santo. Ao ordenar aos seus apóstolos que pregassem o Evangelho a todos os homens, o Salvador mostra-nos claramente a eleição dos gentios e a reprovação dos judeus. Antes da sua paixão, Jesus tinha dito aos seus discípulos: “Não vades pregar aos gentios, nem aos pagãos”; mas hoje diz-lhes: “Pregai o Evangelho a toda a criatura, isto é, a todos os homens”, primeiro aos judeus e depois aos gentios, porque ele quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Depois, prometendo a salvação a todos os que se submetem à fé, e ameaçando com a morte e a condenação eterna os que se recusam a acreditar, acrescenta: “Quem acreditar e for batizado será salvo”. Como se dissesse: “Quem acreditar em mim por uma fé firme, acompanhada de caridade e de boas obras, como os adultos, ou quem acreditar em mim pela fé dos outros, como as crianças, e que tenha sido regenerado pelo batismo com água – se possível –, receberá o perdão dos pecados, será libertado do castigo eterno e será salvo para sempre”. Só a fé não é suficiente para a salvação, se não for acompanhada pelo Batismo, que nos torna cristãos, membros do Corpo Místico de Jesus Cristo, desde que o possamos receber. Quando isso não é possível, basta o batismo de sangue, como vemos nos mártires que sacrificaram a sua vida por Jesus Cristo antes de serem batizados; ou ainda o batismo de desejo: assim, por exemplo, aquele que, iluminado pelas luzes da fé, deseja ardentemente receber o batismo e morre antes de o receber, pode também ser salvo. As crianças pequenas, pela fé dos padrinhos, acreditam em tudo o que a Igreja acredita e recebem o perdão do pecado original no batismo. Não será, de fato, razoável pensar que o pecado que elas contraíram sem saber e sem querer, por culpa de outros, também lhes pode ser perdoado através da fé e da confissão de outros? Aquele que não acreditou, nem por si mesmo nem por outros, será justamente condenado ao castigo eterno como punição pela sua incredulidade. Notemos aqui que Jesus Cristo não diz: “Quem não foi batizado”, mas apenas quem não acreditou, porque, como acabamos de ver, o homem pode ser salvo pela fé sem o Batismo. Assim, estas palavras do Salvador a Nicodemos: “Quem não for regenerado pela água e pelo Espírito Santo não pode entrar no reino dos céus”, devem ser entendidas neste sentido: “Quem tiver negligenciado, recusado, desprezado receber o Batismo, não terá parte no reino dos céus”. A fé sem obras é uma fé morta e não pode salvar-nos, e as boas obras sem fé são inúteis. Diz São Gregório:

“Não digais: ‘Creio, logo serei salvo’; só alcançareis a salvação na medida em que juntardes à fé as boas obras. A verdadeira fé que salva é aquela que não está em contradição com a conduta e a moral da pessoa que a possui”.

Diz o apóstolo São Tiago:

“De que te serve vangloriares-te de ter fé, se ao mesmo tempo não praticares boas obras? a tua fé, por si só, não te pode salvar. O corpo, separado da alma, está sem movimento e sem vida; do mesmo modo, a fé, sem boas obras, é uma fé morta”.

Então o Salvador, para aumentar e fortalecer a sua fé, anunciou-lhes os vários privilégios, vantagens e até maravilhas que acompanhariam aqueles que acreditassem nele. “Pela virtude e pelo poder do meu nome, que invocarão”, diz-lhes Ele, “expulsarão os demônios” – como aconteceu a quase todos os discípulos, a cuja voz os espíritos imundos deixaram os corpos daqueles que tinham possuído durante muito tempo. “Falarão em novas línguas sem as conhecer”, como fizeram os apóstolos e muitos outros fiéis no dia de Pentecostes, depois da descida do Espírito Santo sobre eles. “Afastarão as serpentes”, como fez São Paulo, como se lê nos Atos dos Apóstolos. “Se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal”, como fez São João Evangelista. “Imporão as mãos sobre os doentes, e estes ficarão imediatamente curados”, como fizeram não só os apóstolos e os discípulos depois do Pentecostes, mas também muitos santos ao longo dos séculos, a fim de manter e confirmar a fé cristã no coração dos fiéis pela visão dos milagres. Agora que a fé está firmemente estabelecida, os milagres que então se realizavam já não são necessários hoje em dia, e deve bastar-nos conhecer os que se realizaram no passado. Se me perguntardes porque é que hoje os pregadores do Evangelho já não fazem tais prodígios, responderei com São Gregório:

“A fé católica está suficientemente provada e estabelecida pelos milagres de Jesus Cristo e dos próprios apóstolos; não é, portanto, necessário que esses prodígios sejam renovados nos nossos dias. Quando se plantam árvores, regam-se enquanto são fracas e delicadas; mas, quando se enraízam firmemente na terra, deixa-se de lhes prodigalizar os mesmos cuidados, que agora se tornam supérfluos. No entanto, no decurso dos séculos, Deus quis operar um grande número de milagres para a consolação dos fiéis, como vemos no tempo dos mártires e dos confessores da fé”.

Não nos diz o mesmo São Gregório que estes milagres, que outrora se realizavam no corpo, se realizam ainda espiritualmente nos nossos dias na Igreja de Deus? Quando os ministros de Jesus Cristo exorcizam as pessoas, as batizam e as exortam a fazer penitência pelos seus pecados, não expulsam realmente os demônios dos seus corações? Quando, renunciando às vãs conversas do mundo, anunciam aos fiéis os mistérios e segredos da nova lei, não falam uma língua nova e desconhecida? Quando, com as suas sábias e poderosas exortações, expulsam os vícios dos corações e destroem os maus hábitos, não espalham as serpentes? Quando leem as blasfêmias infames dos hereges para as refutar, ou quando, no sagrado tribunal da penitência, ouvem a confissão dos crimes vergonhosos que os pecadores de toda a espécie lhes vêm declarar, sem que as suas mentes e os seus corações estejam de algum modo manchados por eles, não bebem então o veneno sem sentirem qualquer dano mortal? Quando, pelos seus bons conselhos, fortalecem a fé dos fracos, ou quando, pelos seus bons exemplos, levam os indiferentes à prática das boas obras, ou quando, finalmente, pelas suas ardentes orações, obtêm as graças da conversão em favor das almas pecadoras e as reconciliam com Deus, não impõem as mãos sobre os doentes, que ficam então curados dos seus males? E estes milagres são tanto maiores quanto se realizam não sobre os corpos, como antigamente, mas sobre as almas, que são de longe preferíveis às corpóreas. Não são os próprios fiéis que põem em fuga os demônios quando, em virtude do sinal da cruz, resistem às tentações dos seus inimigos espirituais? Não falam em novas línguas quando, evitando conversas frívolas e inúteis, se dedicam à leitura sagrada ou a cantar os louvores do Senhor? Não dispersam as serpentes, os que repreendem com autoridade os escarnecedores e caluniadores? Não engolem veneno sem sentir mal algum, os cristãos que resistem vitoriosamente aos encantos sedutores do vício ou que desprezam, como um som vão, os insultos que lhes são dirigidos? Não impõem as mãos sobre os doentes para os curar, aqueles que, com os seus bons conselhos, afastam os seus irmãos do vício e, com o seu bom exemplo, os fortalecem na prática do bem e da virtude?

Então o Salvador disse-lhes: “A partir de agora sois, ou melhor, sereis testemunhas fiéis de tudo o que vistes e ouvistes, de tudo o que eu disse e fiz durante todo o tempo em que estive convosco, e anunciareis ao mundo os mistérios da minha Encarnação e da minha pregação, dos meus sofrimentos e da minha gloriosa ressurreição”. Os discípulos poderiam ter dito ao seu Mestre: “Como é que nós, que somos gente simples e ignorante, podemos dar-te testemunho na presença dos gentios e dos judeus que te mataram?” Então Jesus Cristo, para os advertir e reanimar a sua coragem, acrescentou: “Dentro de pouco tempo, enviar-vos-ei o auxílio e a assistência de meu Pai, que vos foi prometido, isto é, o Espírito Santo, e isto de uma forma visível, para que possais testemunhar e pregar a verdade do Evangelho constantemente e em toda a parte”. Deus Pai fez esta promessa quando disse pelo profeta Joel: “Derramarei o meu Espírito sobre toda a criatura”: Isto mostra-nos que as operações da Santíssima Trindade são indivisíveis. Mas para que os apóstolos, ainda imperfeitos, não tivessem a presunção de pregar o Evangelho antes de terem recebido o Espírito Santo, o Salvador disse-lhes: “Todos vós, que deveis dar testemunho de mim no mundo inteiro, ficai na cidade de Jerusalém até ao dia em que fordes revestidos da força e do poder necessários à vossa missão, até que tenhais recebido o Espírito Santo”. É como se lhes dissesse: “Agora não tendes força suficiente para pregar o meu Evangelho com constância; esperai um pouco e, quando tiverdes sido revestidos da força e dos dons do Espírito Santo, então ireis com coragem e sem medo anunciar a verdade na presença dos príncipes e dos reis da terra”. Diz São Crisóstomo:

“Um bom general não envia os seus soldados contra o inimigo antes de estarem completamente armados; do mesmo modo, o Salvador não quer enviar os seus discípulos a combater contra o espírito do mundo e contra Satanás, antes de terem recebido as graças e a força do Espírito Santo”.

Nosso Senhor Jesus Cristo já tinha revelado aos seus discípulos os segredos das Sagradas Escrituras; já lhes tinha dado instruções para irem por todo o mundo e pregarem o seu santo Evangelho, mas adiou a sua realização até que eles tivessem recebido ostensivamente o Espírito Santo; com isto, quis ensinar-nos que quem é chamado a pronunciar a santa palavra deve, antes de mais, possuir o conhecimento das Escrituras e ter dentro de si a graça do Espírito Santo, se não evidentemente como os apóstolos, pelo menos estando livre de todo o pecado mortal. Diz São Gregório:

“Muitas vezes são aqueles que, por causa da sua idade avançada e falta de educação, deveriam ser excluídos do ministério da pregação, que mais ardentemente desejam ser revestidos dele; que eles tenham cuidado para que a sua ânsia demasiado grande não feche para sempre o caminho para uma vida melhor. Que eles considerem cuidadosamente a conduta de nosso divino Mestre. Sem dúvida, sendo ele todo-poderoso e a verdade em essência, poderia ter tornado seus discípulos subitamente aptos para o ministério da pregação; mas não quis fazê-lo e, para nos dar o exemplo, disse-lhes: ‘Permanecei na cidade de Jerusalém até que tenhais sido revestidos do poder do alto’. Também nós habitamos na cidade de Jerusalém como os discípulos do Salvador, quando, longe de todas as distrações exteriores, nos recolhemos interiormente no fundo do nosso coração, para podermos ensinar aos outros a verdade que é a única que conduz à salvação eterna”.

Os discípulos, pelo contrário, estavam sentados à mesa com o seu bom Mestre, regozijando-se com a sua presença, apesar da agitação interior que sentiam por causa da sua partida, que ele lhes tinha anunciado. Amavam-no de tal modo que a simples ideia da separação iminente os deixava mergulhados na mais profunda tristeza. Quando se levantaram da mesa, Jesus conduziu-os para fora da cidade, em direção a Betânia, até ao Monte das Oliveiras, na encosta onde está construída esta cidade. O Salvador conduziu os seus discípulos para fora do lugar onde tinham comido, para que todos o vissem subir ao céu, mostrando-nos assim que não é no meio do barulho e do tumulto do mundo que nos podemos entregar à contemplação das coisas divinas. Ele leva-os para fora da cidade, para nos ensinar que não temos casa fixa neste mundo. Conduziu-os a Betânia, que significa casa da obediência, para nos ensinar que só a submissão nos torna dignos das graças celestes e que só podemos alcançar a felicidade e a glória no céu em virtude dos méritos da obediência. A desobediência tinha expulsado Adão, o nosso primeiro pai, do paraíso terrestre; só a obediência o podia trazer de volta. Depois de conduzi-los para fora do Cenáculo, Jesus disse-lhes para irem ao Monte das Oliveiras; lá, como ele havia resolvido, eles o veriam subir ao céu; então ele desapareceu da vista deles. Este monte representa a elevação da alma, quando ela se abandona à contemplação das coisas divinas; as azeitonas representam a doçura que lhe dá a verdadeira devoção; quando a alma se entrega assim à contemplação e à devoção, só lhe resta subir ao lugar de repouso da pátria celeste.

Os onze Apóstolos, acompanhados pela Santíssima Virgem, juntamente com os discípulos e as outras santas mulheres, dirigiram-se com entusiasmo para o Monte das Oliveiras, onde o Salvador lhes apareceu mais uma vez. Detenhamo-nos aqui por um momento; consideremos todas aquelas almas dos patriarcas, profetas e santos do Antigo Testamento que acompanham o Salvador, ainda que invisivelmente. Como admiram com respeito esta Rainha das virgens, por quem obtiveram tão dignos favores; como contemplam com alegria estes gloriosos heróis do cristianismo nascente, escolhidos para serem os chefes do exército divino, e que em breve deverão ir declarar guerra aberta ao mundo e a Satanás, e obter sobre eles uma vitória deslumbrante! Mas alguns dos que estavam reunidos no monte perguntaram a Jesus: “Mestre, vais agora restaurar o reino de Israel?”. Na sua maneira grosseira e carnal de pensar, imaginavam que tinha chegado o momento de o Messias restaurar o trono de Davi à sua antiga glória e libertar o povo de Deus do domínio estrangeiro que agora pairava sobre eles. Outros, mais instruídos e sabendo que o reino de Israel só seria restabelecido no fim dos tempos, interrogam-no num sentido espiritual, como se lhe dissessem: “Chegou o momento em que vais cumprir as promessas que fizeste em favor da tua Igreja?”. Jesus Cristo, sem dar uma resposta exata à sua pergunta, mas querendo fazer-lhes compreender que o restabelecimento do reino temporal de Israel devia ainda ser adiado por muito tempo, disse-lhes: “Não vos compete conhecer o tempo e os momentos que estão à disposição do meu Pai”; só a Ele está reservado esse conhecimento; o homem não deve penetrar nos segredos que Deus não quis revelar através das Escrituras sagradas; seria uma presunção culpada da sua parte. É como se lhes dissesse: “Não vos preocupeis em conhecer as coisas futuras que estão à disposição apenas de Deus e entre as quais está o restabelecimento do reino de Israel”. Este reino de Davi não será restaurado temporalmente, mas espiritualmente, quando, no fim dos tempos, os judeus acreditarem em Jesus Cristo, que virá então reinar sobre a casa de Jacó para todo o sempre. “Não vos preocupeis em conhecer estes segredos que não podeis compreender, mas tornai-vos dignos de receber as graças do Espírito Santo, que há de entrar em vós para vos purificar e fortalecer, a fim de me dardes testemunho e publicardes a minha doutrina, primeiro em Jerusalém, depois na Judeia e na Samaria e até aos confins da terra”. Ou, por outras palavras: “O som do meu Evangelho terá ressoado não só em Jerusalém, mas também nos confins da Judeia, da Samaria e nas partes mais remotas do mundo, antes de o trono de Davi ter sido restaurado”. Os apóstolos começaram por pregar o Evangelho na cidade de Jerusalém, mas, depois de Santo Estêvão ter sido apedrejado e de São Tiago ter sido morto, chegaram aos confins da Judeia e da Samaria, e depois dispersaram-se por todo o mundo.

Porque o ensinamento de Jesus Cristo foi pregado pela primeira vez na cidade de Jerusalém, quando nós, na Igreja, assistimos à leitura do Evangelho, voltamos o rosto para o oriente, como para a cidade santa, e damos graças a Deus, dizendo: “Gloria tibi, Domine”, em memória do fato de o santo Evangelho ter passado de Jerusalém para nós, segundo as palavras do profeta Isaías: “A lei sairá de Sião e a palavra de Deus virá de Jerusalém”. Diz Santo Agostinho:

“A Igreja cristã teve origem na Jerusalém terrestre, para se alegrar eternamente na Jerusalém celeste”.

Começou na primeira e terminará na segunda. Quando o diácono canta o Evangelho, volta-se para aquilão, para nos mostrar que o Evangelho se dirige contra aquele que as Escrituras designam por aquilão, ou seja, contra Satanás, que dizia no seu coração: “Sentar-me-ei ao lado de aquilão e serei semelhante ao Altíssimo”.

Depois destas várias palavras que o Salvador acabava de dirigir aos seus discípulos para os consolar, abraçou-os a todos, um após outro, segundo o testemunho de Santo Ambrósio:

“Jesus Cristo, ao deixar os seus apóstolos, deu-lhes o beijo da paz. Depois, despedindo-se deles, levantou as mãos como para as oferecer a Deus, seu Pai, e abençoou-os, desejando-lhes todo o bem, prometendo protegê-los contra os seus inimigos e cumulá-los das suas graças”.

Diz São Teófilo:

“Por esta última bênção, Jesus Cristo deu sem dúvida aos seus apóstolos uma força protetora contra os seus adversários, enquanto esperavam a vinda do Espírito Santo”.

É esta a origem do costume, ainda hoje praticado na Igreja, de os bispos darem a bênção ao povo no fim da Missa. Diz Orígenes:

“Ao levantar as mãos para abençoar os seus discípulos, Jesus Cristo quis ensinar-nos que aquele que abençoa os outros deve ser ele próprio adornado com todas as virtudes e sobretudo enriquecido com boas obras”.

O Salvador, antes de deixar os seus discípulos, quis abençoá-los, agindo assim como um bom pai que abençoa os seus filhos antes de se separar, e isto por duas razões principais. A segunda era mostrar que tinha conservado até ao fim o amor e o afeto que sempre lhes tinha demonstrado durante a sua vida mortal. Com isto, quis também ensinar aos prelados da Igreja que, quando se separam dos seus súditos, devem abençoá-los e recomendá-los a Deus.

Diz São João Damasceno:

“Então Jesus, tendo-se voltado para o oriente, na presença de todos os seus discípulos reunidos, elevou-se no ar pelo seu próprio poder. Os seus discípulos seguiram-no com os olhos; Ele permitiu que isso acontecesse para que os seus corações quisessem ir cada vez mais ter com Ele. Foi assim que o verdadeiro Rei da glória subiu triunfalmente aos céus, de onde tinha descido para a redenção dos homens”.

Perante esta visão, a Virgem e todos os discípulos, prostrados por terra, adoraram-no humildemente; entristecidos por uma separação tão cruel, derramaram lágrimas em abundância, mas, no entanto, os seus corações estavam inundados de alegria ao pensarem na glória do seu Mestre que estavam a testemunhar. Como teria sido feliz a Virgem Santíssima em deixar este mundo e seguir o seu divino Filho! Mas o Senhor quis que ela permanecesse na terra por mais algum tempo, para nosso bem, a fim de que, conversando com os apóstolos, os instruísse e lhes revelasse os segredos dos mistérios necessários à salvação, mistérios que ela conhecia tão bem. Ó meu doce Jesus, ó tu, o mais terno dos filhos, por que haverias de abandonar a melhor, a mais terna das mães, exposta sem ti às dores, às misérias, às angústias deste mundo? Por que não associá-la agora ao vosso triunfo e levá-la convosco para o céu? Oh, eu compreendo a razão; é que a sua presença entre os apóstolos era ainda necessária para a confirmação da nossa fé. Os apóstolos, sem dúvida, tinham sido instruídos em todas as verdades por uma revelação especial do Espírito Santo, mas Maria compreendia-as incomparavelmente melhor do que eles; ela penetrava os segredos, as profundezas dos mistérios da fé católica; ela conhecia esses mistérios não só por conhecimento vulgar, mas, de fato e por experiência, uma vez que tinha participado neles. Por outro lado, este atraso na glória de Maria não diminuiu em nada a sua felicidade e o seu amor. Onde quer que estivesse, estava sempre em Deus e Deus nela, enchendo-a de alegria. Em toda a parte, em todos os seus atos e em todas as suas palavras, esforçava-se por agradar-lhe e fazer a sua santa vontade.

Notemos aqui que Jesus Cristo, antes de subir ao céu, primeiro conduziu os seus discípulos para fora da cidade de Jerusalém, depois levou-os a Betânia e, depois de lhes dar a sua bênção, subiu ao céu. Com isto, quis ensinar-nos o que deve acontecer aos pecadores. O pecador deve primeiro sair do estado de pecado, abandonar os seus maus hábitos; depois deve ir para Betânia, que significa casa da obediência, isto é, mudar o seu comportamento, passando do mal para o bem e submetendo-se em tudo à vontade de Deus. Então, Deus abençoá-lo-á, reconciliando-o consigo mesmo e inundando-o com as suas graças, para que, a partir de agora, possa caminhar de virtude em virtude até chegar feliz à glória da eternidade.

Quando Jesus Cristo subiu ao céu, levou consigo as almas dos santos e dos patriarcas que, pelo seu poder, tinha retirado do limbo onde estavam exilados há tanto tempo, e juntou-as à companhia celeste dos anjos, cuja ruína reparava, mostrando-se assim o soberano senhor do céu e da terra. O arcanjo São Miguel tinha anunciado à corte celeste a chegada do Rei da glória; então todos os espíritos abençoados avançaram ao seu encontro e, curvando-se respeitosamente diante dele, juntaram-se-lhe cantando hinos de triunfo. Quem poderia descrever a harmonia desses cânticos de júbilo, quem poderia pintar a alegria com que esses espíritos abençoados foram transportados na presença do seu Rei, e aquela que as almas dos santos também experimentaram nesse primeiro encontro com a hoste celeste? O Salvador, rodeado por todos os lados, à direita e à esquerda, à frente e atrás, pelas almas dos justos e pelos anjos, com as mãos postas e erguidas diante do peito, subiu lentamente para que sua santa Mãe e seus discípulos pudessem gozar mais tempo da sua visão e ser consolados por ela. Quando chegou a uma certa altura no ar, uma nuvem transparente baixou sob os seus pés e escondeu-o dos seus olhos mortais. Até então, Jesus tinha conservado o seu corpo tal como era antes da sua Paixão, mas logo que a nuvem o retirou da vista dos homens, tornou-se resplandecente e glorioso como no dia da transfiguração. Se o Salvador do mundo aparece aqui transportado numa nuvem, não é certamente porque essa nuvem lhe servisse de veículo; ele não precisava da ajuda dos anjos ou de qualquer outra criatura, ele que se elevou por seu próprio poder; ele só queria nos ensinar com isso que todas as criaturas, materiais e espirituais, estão sujeitas a ele e que devem obedecer à sua vontade suprema. Enoque, como sabemos pelas Escrituras Sagradas, foi levado ao céu pelos anjos, e Elias subiu aos ares puxado por um carro de fogo; eles eram apenas homens, portanto precisavam de ajuda do exterior, e além disso seus corpos não tinham se tornado gloriosos; Jesus, ao contrário, subiu por sua própria virtude e pelo efeito de sua onipotência.

Diz Santo Ambrósio:

“A Santíssima Virgem, porém, bem como os apóstolos, Maria Madalena e todos os outros discípulos, seguiram o Salvador subindo ao céu enquanto puderam vê-lo, e quando deixaram de vê-lo, ainda o acompanharam com o ardor de seus desejos e de seu amor”.

Como era admirável a visão de Jesus Cristo subindo ao céu cercado pelas almas santas dos patriarcas e por todos os espíritos abençoados! Quem poderia ter assistido a isso sem sentir o desejo de os acompanhar? O Salvador tinha desaparecido completamente da vista deles, mas os discípulos, com os olhos fixos no céu, continuavam a observar. Então, dois anjos, em forma humana e vestidos com vestes brancas em sinal de alegria, apareceram-lhes e disseram: “Homens da Galileia, porque estais com os olhos fixos no céu?”. Os apóstolos são chamados homens da Galileia, porque são oriundos desse país. Assim, os anjos parecem dizer-lhes: “Porque estais aí parados? Já vos esquecestes do que deveis fazer? Voltai para Jerusalém e esperai lá que se cumpram as promessas que vos foram feitas. Retirai-vos e não espereis mais aqui por Aquele que não deve vir tão cedo. Mas, no fim dos tempos, ele voltará para julgar os vivos e os mortos, da mesma forma que hoje o vistes subir ao céu. Como homem, foi julgado pelos seus inimigos, e como homem virá também para julgar o mundo. Ele próprio foi julgado aqui na terra com um corpo mortal e perecível; mas quando vier para o juízo final, para retribuir a cada um segundo as suas obras, terá o mesmo corpo, glorioso e imortal, com que hoje subiu ao céu”. Diz Santo Agostinho:

“Jesus Cristo virá julgar o mundo com a mesma forma humana com que quis ser julgado, para que se cumpram as palavras do profeta Zacarias: ‘Então verão aquele que crucificaram’”.

Diz também o mesmo santo:

“Se acreditamos verdadeiramente que Jesus virá julgar-nos e recompensar-nos ou castigar-nos pelo bem ou pelo mal que tivermos feito, devemos, portanto, preparar-nos para não sermos surpreendidos quando Ele vier. Tenhamos o cuidado de nos castigar neste mundo para não sermos eternamente castigados no outro”.

Admiremos aqui a bondade e a solicitude de Nosso Senhor para com os seus discípulos. Mal desaparece da vista deles, envia os seus anjos para os consolar e reanimar a sua coragem. Queria mostrar-lhes que não tinha sido transportado, como Elias ou Enoque, para o paraíso terrestre, mas que tinha verdadeiramente subido ao céu. Temia que, permanecendo muito tempo no mesmo lugar, eles se cansassem inutilmente e, por meio desses mensageiros celestes, convidou-os a se retirarem para Jerusalém, a fim de aguardarem em paz o cumprimento das promessas que lhes fizera. Quando os anjos os deixaram, os discípulos prostraram-se por terra no mesmo lugar onde o seu divino Mestre tinha deixado as pegadas dos seus últimos passos, e adoraram-no humildemente, reconhecendo nele a divindade unida à humanidade; e, deixando o Monte das Oliveiras, regressaram à cidade de Jerusalém, com o coração cheio de alegria por tudo o que tinham visto e ouvido. Os discípulos saíram juntos de Jerusalém, com Jesus à frente; depois da Ascensão, voltaram juntos, mas Jesus já não estava com eles. Em memória deste fato, a Igreja instituiu uma procissão solene em que todo o clero, precedido pela cruz. O clero regressa então ao templo, ainda precedido pela cruz, embora os discípulos, depois da Ascensão, tenham regressado à cidade desacompanhados do seu Mestre, recordando assim a promessa que lhes tinha feito: “Eis que estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo”; e também para nos ensinar que, se o Salvador não os precedeu em corpo, acompanhou-os espiritualmente. Nos primeiros tempos do cristianismo, esta procissão realizava-se todas as quintas-feiras da semana, mas depois, com o aumento do número de festas, a Igreja transferiu-a para os domingos, como acontece ainda hoje. São Sulpício, bispo de Jerusalém, falando do lugar de onde Jesus Cristo subiu aos céus, relata que mais tarde foi ali construída uma igreja, mas que nunca foi possível pavimentar o local onde estava gravada a marca dos últimos passos do Salvador, e que o mármore com que em vão tentaram cobri-la, jorrou na cara dos trabalhadores. Segundo o venerável Beda, mesmo que a terra onde foram deixadas as pegadas dos últimos passos do Salvador seja escavada todos os dias pela devoção dos fiéis, o vazio é imediatamente preenchido e a marca é indelével. Ainda hoje, existe uma igreja habitada por monges negros sob a direção de um abade, na qual se pode ver o túmulo de Santa Maria Egípcia e o local onde os apóstolos compuseram o Símbolo.

Os apóstolos, acompanhados da Mãe do Salvador, das santas mulheres e de todos os outros discípulos, retiraram-se para o cenáculo, a fim de aguardar o cumprimento das promessas do seu divino Mestre. Foi aí que elegeram Matias para substituir o traidor Judas como apóstolo. “Ali”, diz o evangelista, “estavam reunidos em profunda oração, preparando-se para receber dignamente o Espírito Santo, segundo a ordem e as promessas que lhes foram dadas pelo próprio Jesus Cristo”. O Evangelho não diz que estavam a jejuar, mas apenas que estavam a rezar; no entanto, muitos pensam que estavam a jejuar e a rezar, de acordo com esta outra frase do Evangelho: “Virão dias em que o Esposo lhes será tirado; é então que jejuarão”; e Jesus, o verdadeiro Esposo das suas almas, acabava de se separar delas. Para imitar os apóstolos, os próprios fiéis jejuaram desde a Ascensão até ao Pentecostes. Iam frequentemente ao templo, lugar especialmente reservado para a oração, e aí, derramando o coração na santa presença de Deus, louvavam-no, bendiziam-no e agradeciam-lhe humildemente todos os benefícios que já tinham recebido da sua bondade e também os que Ele se preparava para derramar sobre eles no futuro; depois retiravam-se para o cenáculo para descansar um pouco. Seguindo o exemplo destes fervorosos discípulos, ofereçamos incessantemente ao Senhor as nossas orações e ações de graças por todos os bens com que nos abençoou e com que nos cumula todos os dias; assim, mereceremos atrair sobre nós cada vez mais novos favores, até alcançarmos o descanso eterno na Jerusalém celeste. Diz São Beda:

“Em todos os momentos, mas especialmente neste dia da gloriosa Ascensão de Jesus Cristo, devemos recordar as palavras que ele dirigiu aos seus discípulos: ‘Bem-aventurados os olhos que veem o que vós vedes’. Quem pode descrever a alegria e o júbilo com que os discípulos se comoveram ao verem o seu Mestre subir triunfalmente ao céu? Quem pode compreender toda a felicidade que inundou os seus corações quando pensaram que também eles poderiam um dia participar nesse reino eterno, onde Jesus Cristo, para nos dar a esperança dele, ia sentar a nossa própria humanidade à direita de Deus, seu Pai?”

Neste dia da sua gloriosa Ascensão, Jesus Cristo, de acordo com as suas promessas, abriu as portas do céu às almas dos santos que ele levava a segui-lo, portas que até então tinham permanecido fechadas a todas as criaturas humanas, e entrou primeiro entre hinos de triunfo e de alegria. Notemos aqui que há três tipos de céu, segundo o testemunho de São Paulo, que diz ter sido levado ao terceiro céu. Diz Santo Agostinho:

“Desses diferentes céus, o primeiro é o céu físico e material, onde brilham o sol, a lua e todas as estrelas; o segundo é o céu espiritual, destinado aos anjos e a todos os espíritos bem-aventurados; o terceiro, ainda mais elevado, é reservado unicamente à majestade divina”.

Foi para este terceiro céu que São Paulo foi levado e que Jesus Cristo subiu. Lá, ele está sentado à direita de seu Pai, não que Jesus Cristo, como homem, esteja fisicamente sentado à direita e seu Pai à esquerda, mas, por essa expressão, devemos entender o poder de julgar com o qual seu Pai o revestiu; não é da natureza de um juiz permanecer sentado? O evangelista quer que compreendamos também que, como Deus, Jesus Cristo é em tudo igual a seu Pai, e que, como homem, ele é exaltado acima de todas as criaturas. Diz-se aqui, com razão, que Jesus Cristo está sentado à direita de Deus; está sentado para descansar, aquele que suportou tantos trabalhos e fadigas; está sentado à direita, aquele que sofreu tantas adversidades e tribulações de que a mão esquerda é o emblema; está sentado à direita de Deus; não é justo, de fato, que à humilhação e ao desprezo se sigam o triunfo e a glória? Jesus, sentado à direita de Deus, seu Pai, intercede continuamente por nós, apresentando constantemente ao seu olhar as marcas das chagas com que foi coberto para a nossa salvação.

Quando entraram no céu, os santos e espíritos abençoados entoaram cânticos de alegria. Se, de fato, Moisés e os filhos de Israel, depois de atravessarem o Mar Vermelho, cantaram hinos de triunfo à glória do Senhor, em sua gratidão por tão grande bênção, quais não devem ter sido os cânticos de alegria e gratidão entoados por essas almas santas, para sempre libertadas de todo perigo? Nunca, desde o começo do mundo, houve tal festa no céu, e nunca haverá, exceto imediatamente após o grande dia do julgamento geral, quando todos os eleitos, vestidos em seus corpos gloriosos, aparecerão diante do trono do Senhor. Esta festa é a maior e mais solene de todas as festas. O céu e a terra e tudo o que neles existe foram criados para o homem, e o próprio homem estava destinado à glória celeste, mas, desde o pecado de Adão, nenhuma criatura humana, por mais justa ou santa que fosse, a pôde alcançar. No dia da Ascensão, as portas do céu abriram-se aos homens e todos os males foram reparados; esta festa é, portanto, a maior de todas as festas. O dia da Ascensão é a festa por excelência de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois neste dia Ele vem sentar-se à direita de Deus Pai e, depois de todas as fadigas suportadas para a salvação do mundo, entra no seu descanso eterno. Esta é a festa dos espíritos bem-aventurados, porque neste dia recebem uma nova alegria ao verem o seu Rei, cuja santa humanidade contemplam pela primeira vez; porque neste dia veem preenchidos nas suas fileiras os lugares que a queda dos anjos maus tinha deixado vazios. Ora, se no céu os anjos de Deus se alegram com a conversão de um único pecador, qual não terá sido a sua alegria ao verem tantos milhares de almas que vieram juntar-se à sua felicidade? É a festa de todos os patriarcas, de todos os santos do Antigo Testamento, que entram neste dia na pátria celeste, objeto tão longamente adiado de todos os seus desejos. É a festa de Maria, Nossa Senhora e nossa rainha, que neste dia vê o seu Filho divino, cujo corpo mortal foi formado no seu seio casto, subir ao céu com este mesmo corpo glorificado, elevar-se acima de todas as criaturas e sentar-se à direita de Deus seu Pai, de quem é igual. É também a festa de todos nós, pois neste dia a nossa natureza humana foi elevada acima dos deuses, e o homem, para sempre perdido, foi restituído aos seus antigos privilégios, chamado de novo ao céu, de onde estava eternamente banido, e associado à felicidade dos anjos pelos méritos de Jesus Cristo, nosso libertador. Esta é, pois, uma festa muito solene, e toda a alma que ama verdadeiramente a Deus deve encher-se de alegria e rejubilar neste dia. Segundo o Papa São Leão Magno:

“Nosso Senhor Jesus Cristo disse aos seus discípulos antes da sua paixão: ‘Se me amásseis, alegrar-vos-íeis por eu ter voltado para o meu Pai, porque em mim a vossa humanidade será elevada ao céu e sentada à direita de Deus. Eu uni-vos a mim e quis fazer-me Filho do Homem, para que vos torneis filhos de Deus’”.

A Ascensão do Salvador é o princípio da nossa própria elevação, e neste dia devemos entregar-nos à alegria e à gratidão. Neste dia, não só tomámos posse do céu, mas, na pessoa de Jesus Cristo, nossa Cabeça, elevámo-nos acima de todos os céus e, pela sua graça, reconquistámos uma glória maior do que aquela que a inveja de Satanás, inimigo declarado da nossa salvação, nos tinha feito perder. Diz Santo Agostinho:

“Neste dia, meus irmãos e irmãs, Jesus Cristo, como acabais de ouvir, subiu ao céu, por isso deixemos que os nossos corações subam com Ele”.

Subiu ao céu sem, no entanto, se separar de nós; do mesmo modo, que os nossos corações se unam a ele, embora os nossos corpos, segundo a promessa que nos fez, não o possam ainda seguir. Do céu, ele grita-nos: “Sede meus membros, se quereis participar no meu Reino”. Façamos, pois, todos os esforços para o conseguir; purifiquemos o nosso coração de toda a imundície, tal como um dia o nosso corpo será despojado da sua mortalidade. Quanto mais a nossa alma for aliviada do peso do pecado, tanto mais facilmente o nosso corpo subirá ao céu. Diz São Gregório:

“Jesus Cristo subiu corporalmente ao céu; nós devemos segui-lo pelo afeto dos nossos corações”.

Renunciemos, pois, a todos os desejos carnais e terrenos. Que mais podemos amar neste mundo, quando o nosso verdadeiro Pai habita na pátria celeste? Se o nosso corpo mortal nos mantém nesta terra, apesar de nós próprios, estejamos ao menos com Ele pelo nosso amor.

O Salvador quis privar os homens da sua presença corporal para suscitar nos seus corações um desejo crescente de o seguir. Procuremos, pois, com ardor os bens celestes. Suspiremos incessantemente pela felicidade de nos juntarmos no céu àquele que nos precedeu, e as nossas preces serão infalivelmente atendidas. Foi o que aconteceu a um bravo guerreiro, como conta a história. Este homem santo tinha visitado com grande devoção todos os lugares santos que o Salvador tinha tornado célebres com a sua presença. Quando chegou ao Monte das Oliveiras, de onde Jesus Cristo tinha subido ao céu, depois de longas orações acompanhadas de copiosas lágrimas, dirigiu-se ao próprio Jesus: “Ó meu divino Redentor”, disse ele, “procurei-te com atenção e fervor em todos os lugares que visitaste, mas não te encontrei; aqui estou eu no monte santo de onde, ao deixares este mundo, subiste ao céu; onde poderei procurar-te de agora em diante? Ordena-me, pois, Senhor, ordena à minha alma que vá ter contigo, para que te veja em toda a tua glória, sentado à direita do teu Pai celeste”. Mal acabou de dizer estas palavras, a sua alma, separando-se do corpo sem a menor dor, voou para a Pátria celeste. Seguindo o exemplo deste santo personagem, procuremos diligentemente Jesus Cristo, praticando boas obras e exercendo todas as virtudes cristãs, e, como ele, mereceremos ir para o céu juntar-nos àquele que nos precedeu.

A Ascensão do Salvador foi outrora representada pela misteriosa escada que o patriarca Jacó tinha visto num sonho. Esta escada tocava a terra com os pés, o seu topo elevava-se aos céus, e os anjos de Deus desciam e subiam constantemente por ela. Do mesmo modo, Jesus Cristo desceu do céu à terra, unindo assim a terra ao céu. Ele era o mediador entre um Deus irado e os homens culpados, pelo que tinha de ser simultaneamente Deus e homem para conseguir uma reconciliação perfeita. Deus tinha sido elevado ao mais alto dos céus, o homem tinha descido ao mais profundo dos abismos; Jesus Cristo era esta escada misteriosa que unia os homens a Deus, os céus à terra. Por Ele, os anjos descem para nos trazer as suas graças, e sobem de novo, levando as nossas almas para o seu seio. O próprio Salvador dá-nos uma ilustração sensível da sua Ascensão na parábola da ovelha perdida e da ovelha encontrada. A ovelha perdida é o homem que viola a vontade de Deus pela sua desobediência. Jesus, o Bom Pastor, abandona os outros noventa e nove no céu, ou seja, os nove coros de anjos, para correr na terra durante trinta e três anos da sua vida mortal à procura dessa ovelha perdida. Ele carrega-a sobre os ombros quando ele próprio está sobrecarregado com o pesado fardo da sua cruz para expiar os seus erros. Convida os seus amigos a regozijarem-se com Ele no seu feliz regresso, quando, no momento da sua Ascensão, quando a nossa humanidade estiver sentada à direita do seu Pai, toda a corte celeste se regozijar e entoar cânticos de triunfo. Elias foi também uma figura da gloriosa Ascensão do Salvador. Este grande profeta tinha proclamado a lei de Deus em toda a Judeia; não tinha tido medo de condenar os violadores desta santa lei; por isso foi terrivelmente perseguido pelos judeus, mas Deus recompensou-o pelo seu zelo transportando-o em corpo e alma para o paraíso terrestre. Do mesmo modo, Jesus Cristo ensinou aos judeus o caminho da verdade, e eles recompensaram-no apenas com maus tratos, mas Deus exaltou-o acima de todos os céus e levou-o para a sua glória. Nós, que somos culpados de tantas prevaricações, aprendamos, a exemplo do nosso divino Mestre, a sofrer com paciência os males que nos acontecem nesta vida, a fim de obtermos o perdão dos nossos pecados e podermos alcançar com ele a vida imortal e gloriosa.